sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O MENINO, A CHUVA E O PÃO



Acordei às seis da manhã, abri a janela e vi que o dia nascera muito claro. Chegando à portaria, surpresa, uma grossa chuva dava os últimos suspiros, com pingos salteados, obrigando transeuntes madrugadores a usarem capuzes ou guarda-chuvas. Lembrei-me do poema Caso pluvioso de Drummond (“Era chuva fininha e chuva grossa, matinal e noturna, ativa… Nossa!”) e ri sozinha, quando me lembrei de que no poema ele diz que descobriu que Maria é que chovia. Será que era eu que chovia? Está sempre chovendo nos meus dias...
No calçadão, vi que o sol se esgueirava aqui e acolá, como a fugir de algumas nuvens grossas. Parei uns instantes, a tempo de contemplar os ralos faróis dourados caindo sobre o mar.
Continuei meu trajeto, pensando nessa natureza tão versátil e tão volúvel. Ora chove, ora faz sol. Como os humanos. Ora somos tristes, chuvosos, ora somos o próprio sol, ofuscando de brilho ou tisnando na quentura.
Pensando nisso e já retornando, vi um novo cenário. O céu ficou escuro, a chuva chegou em cântaros e a enxurrada engrossava os ralos de águas pluviais, os carros, em desabalada correria, jogavam água nos pedestres e todos fugindo como podiam.
Vi um menino correndo, gargalhando, e metendo-se por um portão de uma daquelas portarias elegantes da Praia da Costa.
Comecei a pensar num menino que vira na véspera, na chuva. Noite alta, festa acabando, chuva caindo, um menino ensopado e um guarda-chuva cedido em troca de algumas moedas. Era magrinho, muito bonito e sorria. Nem pensava no resfriado que poderia sofrer depois, nem sentia o frio que fazia naquela chuva, nem via que estava todo molhado. Só pensava nas moedas. Precisava daquelas moedas. O pai sumiu no mundo, a mãe acamada, irmãos pequenos, as moedas, sim, as moedas seriam o pão na manhã seguinte, quem sabe o leite, o café, quem sabe ganharia mais, quem sabe, quem sabe...
E todos queriam o guarda-chuva do menino. Ele já estava molhado mesmo! Ah! Quer uma moeda! Uns: Aqui, menino!  Outros: Pena, não tenho nada. O menino contou suas moedinhas, recontou e viu que perdera uma, na corrida de volta dos carros para ceder o guarda-chuva para mais uma pessoa. O último vai saindo. Quem sabe vou ganhar mais uma, pensou. E ganhou: vinte reais. Vinte reais! Que maravilha... O pão e o leite garantidos...
O dia já ia raiando. O menino foi-se. Teria passado na padaria? Teria ido pra casa? Teria ido dormir?
De repente, vi-me parada no calçadão e toda molhada. Voltei pra casa depressa, fincando o pé no chão, bem forte, antes que outros meninos pobres ou ricos, sorridentes ou tristes, viessem tomar conta de meu dia.
Maria Francisca – outubro/2014.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

ONDE ESTARÁ PEDRO?

Como homenagem ao dia da criança, posto este poema, desejando que um dia todos os Pedros do Brasil tenham seus direitos garantidos pela Constituição Federal e possam crescer saudáveis e felizes.
 
Trata-se da história contida na revista "Trabalho Infantil" da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). É de uma criança chamada Pedro, de uma família muito pobre, que era bom aluno, mas, de repente, começou a faltar às aulas, perder notas,  sempre triste,  até que parou de ir à escola. Aí, as crianças, perguntam:
 
“Onde estará o Pedro?
Por onde andará?
Não veio à escola. Na sua casa não está.
Dizem que está nas ruas,
Vendendo balas nas esquinas
Sabor laranja, morango e limão...
Frutas colhidas nas fazendas
Por mãos pequeninas
De centenas de meninos e meninas.
Perguntamos: Onde Pedro está?
Mas, também, onde estará Maria, Cristina, João...
Trabalhando no campo? Na cidade? Ou no lixão?
São crianças invisíveis aos olhos de muita gente grande.
Não enxergam suas idades,
Maquiam de bem a maldade.
Ainda pequeninas começam a trabalhar
Enriquecendo uns poucos nos campos e nas cidades
Prejudicando quantos Pedros?
Por isso terminamos repetindo a pergunta:
Onde ele está? Por onde Pedro andará?”