A placa ainda está lá.
Só não brilha mais.
As portas fechadas
mostram o vazio que se instalou na casa. Banners, tapando a varanda e impedindo
a entrada do ar e do sol, não escondem a tristeza que ainda deve reinar no
coração de quem avista aquela placa e, principalmente, no coração da família.
Ali, era tudo alegre e
bom. O dono, jovem, mostrava vigor e otimismo que, num átimo, apagou-se para
sempre. Filhos esperavam-no ao fim do dia. Ele não chegou. Ninguém sabia o seu paradeiro.
Só o vento e o mar poderiam dar a resposta.
O vento, com seu canto
noturno e soturno, ajudou a arrastá-lo para longe, bem longe, onde a vida
terminava aqui e começava noutro lugar, talvez mais belo, talvez mais humano,
talvez mais alegre, talvez mais feliz.
Ninguém pode entender
uma pessoa que tira a própria vida, se “a medida do homem é a vida”, como disse
João Cabral de Melo Neto, em belo poema. Ninguém sabe o que vai no coração e na
alma: o sofrimento deve ter sido muito grande, maior do que poderia suportar...
Ou seria a desesperança? Ou, quem sabe,
um momento, um momento só, de loucura? Só Deus para saber.
Ítalo Campos,
psicanalista e poeta, num ensaio para o caderno Pensar de “A Gazeta” ( 19.04.2014), busca respostas para o ato
final escolhido por muitos que caminham ao lado da arte, porque, segundo ele, o
escritor ou o pintor livram-se de seus
males provocados pela crueldade do mundo, lidando com um mundo idealizado,
misterioso, longe de nosso alcance, por serem mais sensíveis. Então, como explicar
suicídios de grandes autores, como Hemingway, Virgínia Wolf, Florbela Espanca e
tantos outros? E acrescenta que é perfeitamente normal nós, insensatos e, em
contato com alguma tristeza ou perda irreparável, pensemos na morte como saída,
mas não chegamos a praticar o ato.
Mas muitas chegam ao
ato. Penso que a arte não dá conta desse mistério insondável, além de perigoso,
como disse o Diadorim, de Guimarães Rosa.
E todos podem passar por maus momentos e não conseguir suportá-los.
Tanto artistas como pessoas comuns são vulneráveis.
Li, certa vez, não sei
bem se em Hermingway, logo ele, que pôs fim à própria vida, que um homem estava
indo furtar ovos num quintal. Perto do lugar em que pularia o muro, havia uma
enorme árvore e, sobre ela, um homem, prestes a se enforcar. Já tinha a corda
enlaçada ao pescoço. Aí, nosso primeiro
personagem disse ao possível suicida: Que
é que está fazendo aí? E ele: Vou me
enforcar, porque não tenho mais esperança. Ao que o interlocutor respondeu:
Deixe de mentira, se você vai se enforcar
é porque acha que morrendo vai ser melhor. Então, você tem esperança, sim. Desça daí, já! Venha me ajudar! E o homem, obedientemente, desceu da árvore. Oxalá,
as coisas pudessem acontecer como na ficção, mas é um exemplo de que ninguém sabe
o que move um suicida.
Albert Camus afirma, em
“O mito de Sísifo”, que a questão é saber se a vida vale ou não vale a pena ser
vivida. E, por isso, muitas pessoas morrem: acham que a vida não vale mais a
pena. E pessoas outras há que morrem por uma ideia, diz o escritor, uma ideia
que lhes dê razão para viver. Ou seja, a ideia que é a razão de viver é a mesma
que dá razão para morrer. Será que alguém reflete antes de cometer suicídio?
Ou: há suicídio premeditado? Pode haver, quem sabe?
Há poucos dias, perdi
um colega. Suicídio, contaram. Era jovem, bonito, culto, talentoso, poeta,
fotógrafo. Tinha tudo para viver bem. Dizem que estava deprimido e sofria
muito. Nada sei, ao certo. Sei que a vida, por si, já é um sofrimento. As
brigas, as guerras, o tráfico, a pobreza, a corrupção, as drogas... Para as
pessoas mais sensíveis, então... Drummond diz, num poema, que os delicados
prefeririam morrer.
Já o jovem do início do
texto os jornais noticiaram que se envolveu em situação embaraçosa de
corrupção e estava denunciando os corruptos por meio virtual. A pressão foi
tanta, que ele não suportou. A corrupção, essa praga que assola o mundo todo, e
nosso País, principalmente. Não sei se é verdade. Só sei que algo barrou
esse caminho, como o caminho do meu amigo, que poderia ser iluminado, e
iluminar a vida de muitos com sua arte, sua vida e seu trabalho. E a pergunta
se renova: Por quê? Só Deus poderia dar a resposta. Ninguém mais.
Com meu turvo olhar
sobre o mundo falo com Drummond, mesmo sabendo que nada, nada mesmo, nesta vida,
é definitivo:
“Chegou
um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”
Maria Francisca – início de maio de 2014.
Oi Francisca, excelente texto. Realmente é difícil imaginar o que pode levar uma pessoa a cometer um ato tão drástico. Creio que na maioria dos casos, há por trás dele o grande mal que assola o mundo: a depressão.
ResponderExcluirPode ser, Andra, pode ser. Grata pela leitura e pelo comentário. Beijos.
ExcluirVou dizer algo que é bem lugar comum... mas às vezes lugar comum é o que a gente tem... é assim mesmo, fazer o quê? O fato é que, quando a gente pensa muito, a vida se torna muito complexa. Acho que foi Raulzito quem disse algo do tipo "quem me dera ser burro! assim não me preocupava tanto!". E tem aqueles que o fazem por vergonha, como ouvimos falar de alguns japoneses, não é?
ResponderExcluirParecia que a gente estava em uma mesa, tomando um café, batendo papo e o assunto surgiu de algum lugar. Aí você começou a falar, mostrou a placa,e foi direto. E quando alguém fala tão bem, a gente não interrompe, né não? Aqui e ali eu pensava em soltar um "não é que é isso mesmo" ou então um "Pois é...". Mas não se interrompe uma narrativa tão boa, então resolvi deixar para dar meu pitaco no final rsrsrs Bjs!!
Pois é, Ney. "Cogito, logo hesito", porque pensar implica tomar atitudes e, quando não se encontra um caminho... Grata pela leitura e pelo comentário, como sempre, generoso. Mas você poderia interromper, sim... Bjs.
Excluir