segunda-feira, 27 de junho de 2016

SAIU UM NOVO BLOG

Caros amigos,
Estou alterando meu blog. Grata pela gentileza com que me acompanharam. Agora, meu novo blog é www.mariafrancisca.blog.br.
Espero a visita.
Um abraço.
Maria Francisca

sábado, 14 de maio de 2016

RECEITA GOSTOSA?



Vó, você sabe fazer calda de chocolate? Não, Leozinho, por quê?  É porque eu queria... Se você me ensinar, eu faço.
Então, tá. Preste atenção, vó: Um copo de água, duas colheres de leite em pó, duas colheres de mucilon, uma colher de toddy. Mexa bem e está pronto. Fácil, não é?
Isso sem tirar os olhos da TV, porque estaria jogando um jogo muito importante.  E, até aquele momento, segundo ele, eu não poderia sair de perto, porque atuava como sua assistente.
Com a permissão do “chefe”, fui pra cozinha, fiz a tal calda de chocolate, Leozinho experimentou e disse: Está uma delícia. Você caprichou! Sabe por que ficou gostosa, Leozinho?  Porque foi você quem me ensinou. Ele, concentrado no joguinho, sorrindo:  É?
Como disse Leozinho, de vez em quando, capricho. Arvoro-me em boa cozinheira. Gosto, sei fazer alguma coisa, mas não tenho aquela prática de fazer tudo rápido, gostoso e bonito, como uma boa gourmet o faria.
Tenho meus truques, claro. Na primeira vez de uma receita, cumpro todo o ritual.  Depois, vou mudando aqui e ali, até ficar do meu jeito.
Mas não sei se acontece com você o que acontece comigo. Quando copio uma receita de uma pessoa de quem gosto muito, a comida fica uma delícia. Foi por isso que falei com Leozinho que a calda ficou gostosa. Foi ele quem me ensinou, ora.
O certo é que as receitas ensinadas pelos amigos ficam todas gostosas, mas há duas que merecem maior registro. Não erro nunca. Uma é de uma tortinha de frango da Zilá, minha comadre. É muito gostosa. Todos saboreiam com prazer.  Faço de vez em quando. A outra é a broa da Janice, outra comadre querida.  Ela diz que a receita não é dela. Não interessa. Já está registrada assim: Broa da Janice. Os direitos autorais desta feita que se cuidem...
Veja como tenho razão. O filme “Como água para chocolate”, baseado no livro homônimo, conta a história de Tita, uma moça que proporcionava afetos e sensações para quem tinha o privilégio de desfrutar de seus pratos. Ela transmitia para a comida os sentimentos que nutria no momento em que trabalhava aqueles quitutes. Com as adversidades da vida, nem sempre Tita estava feliz. Ocorreu que fazendo um bolo de casamento, Tita estava tão infeliz, que deixou cair lágrimas na massa do bolo,  adoecendo todas as pessoas que dele comeram.
Explicado está como as receitas dessas minhas amigas ficam gostosas. Ali está o amor e o carinho que tenho por elas.  Então, a calda de chocolate do Leozinho não tinha, mesmo, como ficar ruim.
O resultado final é de “dotô cumê e lambê os beiço”, como diria um velho amigo de minha mãe.
Maria Francisca – abril de 2016.



sábado, 2 de abril de 2016

Causos – 5º da série

A peruca dos Lordes

Os tribunais em todo país têm um cerimonial que, muitas vezes, constrange as pessoas que estão pouco acostumadas com o ambiente ou, mesmo, novos advogados.
Pois bem. Um dia, antes da sessão, conversávamos sobre esses rituais, já tão antigos. Uns diziam que poderiam mudar, outros eram contra, por fazerem parte da liturgia, outros que são fora de moda, outros, que a nossa região faz muito calor. Cada um dava sua opinião, quando um colega, brincalhão, disse: pior é na Inglaterra, na Câmara dos Lordes, com aquela peruquinha. Outro lembrou que isso é tão antigo que até a Câmara dos Lordes, no país tão formal, já perdeu a peruca.
Chegou a hora da sessão, a discussão cessou, entramos para o plenário, cada um com sua toga. Devidamente acomodados, foi apregoado o primeiro processo, o advogado levantou-se e apanhou a beca. Ficou muito atrapalhado, não conseguia vestir a indumentária, e foi ficando nervoso.
Eu, presidindo a sessão, tentando acalmá-lo, disse: Excelência, não se preocupe. Essa beca é difícil, mesmo.  Pior era na Inglaterra, como lembrou um colega ainda há pouco, com aquelas perucas. Imagine o calor se fosse aqui.
Pra quê!... O advogado sorriu e disse: Para mim seria até bom. E passou a mão na cabeça. Só aí foi que notei que o advogado era careca.
Ninguém segurou o riso, claro, e os bilhetes de “que fora!” que recebi durante e depois da sessão foram incontáveis.

terça-feira, 15 de março de 2016

SOU HUMILDE, GENTE!



[...] vaidade das vaidades! Tudo é vaidade.
Eclesiastes, 1, 2
Eu sempre digo que sou simples, sou humilde. Daí vem minha vaidade.  Será?

Ontem, uma senhora elogiou meus cabelos. Eu agradeci. Outra que estava perto disse: Ela é toda bonita. Ao que a primeira retrucou, rindo: Só não falei pra ela não ficar muito vaidosa. Rimos e eu completei: É, mesmo. Vou ficar inchada. Rimos todas.

Lembrei-me disso, por uma bobagem que me aconteceu, hoje. Caminhava no calçadão, como de costume, “me achando” como dizem, porque todos elogiam minha boa forma física. Já estava como a rã da fábula. Estufava o peito e andava, andava.

Ai, passou um senhor com um passo normal, comum, e foi à frente. Não consegui acompanhá-lo. Pensei: Que nada, é homem. As pernas são maiores, mais fortes do que as minhas. E continuei me achando.
Daí a poucos minutos, vem uma senhora, no dizer de muitos, senhorinha, porque não se pode mais dizer uma idosa (não sei por que se a lei nos chama de idosos. Só se a palavra caiu de moda), rápida e fagueira, passou-me à frente e seguiu firme e forte.Aí, minha vaidade foi pro brejo... Murchei.

Cada dia descubro uma desqualidade minha (pra não falar defeito, rs). Que sou preguiçosa, isso já sabia desde sempre.  Às vezes, dá vontade de fazer como sugeriu Pedro a Jesus (Lucas, 9,33): “Mestre, é bom estarmos aqui. Podemos levantar três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Principalmente quando tenho muita coisa para fazer e não sei por onde começar.

 Já´ falei no poema Confissão (In Sal, pimenta e ternura) que sou invejosa: “Tenho inveja! Descobri esse sentimento pobre, podre e disforme”. Mas só de vez em quando. Claro. Tento me fazer gente. Mas é difícil, às vezes, não ter uma invejazinha. Leio sempre sobre a inveja, porque esse “pecado capital” o mais horrível de todos. Zuenir Ventura, por exemplo, escreveu “Inveja, mal secreto”, parte daquela coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva. Nele, Zuenir tenta revelar algumas facetas desse pecado inconfessável. Já Nilton Bonder, em “Cabala da Inveja”, faz distinção entre ciúme e inveja. No ciúme, queremos obter algo para nós, independente da pessoa que tenha aquele algo que queremos.  “Sonhamos nos tornar o objeto do amor ou do prazer que imaginamos que o outro desfruta; uma vez que isso aconteça, o indivíduo de quem tínhamos ciúme já não nos interessa. O ciúme tem seu centro em nós mesmos.” Na inveja o foco é o outro. O invejoso passa a ser refém do outro. Não quero algo para mim, quero que o outro não tenha esse algo.   O Rabino, então, traz o exemplo de Caim (interpretando Gên 4:6). Caim ficou com muita raiva, não porque Deus não aceitou sua oferta, mas porque aceitou a oferta de Abel.
Querem saber de uma coisa? Chega de falar de minhas desqualidades. Daqui a pouco, sento num canto e choro, pensando que sou péssima.
Tenho meus defeitos, mas tenho também minhas virtudes.
Quem é perfeito? Só Deus.


Maria Francisca – março de 2015, num dia de reflexão.

sábado, 12 de março de 2016

CANTIGAS DA PRISÃO

Para Sidemberg

Sabia voar.
Poderia ser uma águia
Perdi minha essência e naufraguei.
Meu lado avesso venceu.

Queria luz, procurei trevas.
E trevas encontrei no meu deserto,          
Onde vento e silêncio espalham areias,
As saudades do meu eu que perdi
E ferem meus olhos

Pensei no ritmo, esqueci o rumo.
Sem prumo, nas trevas, cambaleio.
Falta ritmo, falta rumo
E a madrugada não vem.

Dizem que sou bandida. Não creio.
Condenada estou, eu sei.
Mas preciso de outro olhar
Compassivo, curativo, renovador.

Sofrida, sou, não nego, mas canto,
Pra afastar o desalento e o pranto
Que teima em escorrer n’alma
Enquanto olhos secos vigiam
A noite escura.

Maria Francisca – 18/11/2014, após assistir à apresentação do coral “Maria, Marias”,  das presidiárias de Cariacica.




terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

CAFÉ COM PÃO, MANTEIGA NÃO!



O clássico “Café com pão, manteiga não” misturava-se nos meus sentidos à também clássica “Trenzinho do Caipira” do nosso Villa Lobos: Lá vai o trem com o menino, lá vai a vida a rolar... Ora ouvia o som de Maria Bethânia, ora instrumental, ora a voz (barítono profundo?) de Zé Ramalho. O insight foi a chegada à estação Pedro Nolasco, de Cariacica, ES, onde embarcaria, daí a pouco, no trem da Vale,  com destino a Intendente Câmara, em Ipatinga, Minas Gerais.

Desde os anos 80 não viajava de trem.

Naquela época, as janelas abertas durante todo o percurso, devido ao escaldante calor, uma nuvem fina de poeira escura entrava, sorrateira, e cobria-nos a todos com seu manto. Chegávamos ao destino negros, totalmente negros, de tanto pó. As malas e apetrechos pelos corredores, farofa, frango, somando-se àqueles rapazes que serviam bebidas e salgados, nos vagões, formava uma confusão só.    Isso na chamada primeira classe, que ainda tinha poltronas.  Na tal segunda classe, pior. As cadeiras de madeira, às vezes sem cadeira para todos, tantas as bagagens, fazia com que alguns, extenuados, sentassem ou deitassem sobre bolsas, malas, para um pseudo-descanso. Aí, a coisa piorava, porque nem se podia passar, no meio daquele “rolo”.

Mas agora, tudo é diferente. A classificação das acomodações também mudou, talvez num esforço inútil para alcançar o que se convencionou chamar de politicamente correto: temos a classe executiva e a econômica. Pode-se comprar passagem pelo site, mas, pena, o bilhete para embarque só é entregue no guichê.

Ao embarcar, a primeira coisa que me aconteceu, “pra variar” foi errar o meu vagão. Fui para a classe econômica, que achei muito boa, olhei o número coincidente da cadeira e já estava bem tranquilinha, quando a dona da poltrona chegou e, delicadamente, me explicou que eu deveria ir para a classe executiva, dois vagões à frente.

Segui, com o trem já em movimento, para o lugar a mim reservado, tentei acomodar minha mala, mas, ai, não cabia naquele espaço apertado sobre as poltronas. Um senhor, gentilmente, me ajudou a acomodar a bagagem num compartimento no final do vagão, malas em cima de malas. Coitado de quem levou algo frágil, pois chegaria ao destino em frangalhos. Ruim, ainda, é que cada um que cuide de sua bagagem, mesmo que ela fique distante de seus olhos. Se perder, perdeu.

Sentei-me e fiquei a imaginar como passar mais de oito horas ali, parada. Lembrei-me de que havia levado vários livros e, depressa, peguei “O inverno de nossa desesperança” de Steinbeck. Uma maravilha de livro que, aliás, lhe rendeu o prêmio Nobel da literatura. É a história de Ethan, herdeiro de uma importante família de uma cidadezinha de Nova Inglaterra. Sua família foi à falência e ele trabalha como empregado numa mercearia, mas, de tanto a mulher e os filhos reclamarem da pobreza em que vivem, resolve abandonar seus escrúpulos e princípios.  Bela e triste história. Lendo, consegui passar, maravilhosamente bem, as 8 horas e trinta minutos da viagem.

No retorno, uma semana depois, duas famílias em férias, ruidosas, estavam no vagão. Exatamente nas cadeiras à frente da minha, 10 pessoas. E exatamente atrás, mais doze. Uma senhora do grupo resolveu cantar, em pé, atrás do meu assento. Haja paciência... E andavam pra lá e pra cá, trocavam alimentos, riam alto, gritavam para os que estavam mais longe. No inicio, tudo bem, é até bom ver tanta alegria e animação, mas depois de um tempo, cansa. Pra piorar, o clima ora esfriava de dar arrepios, ora esquentava. Foi um tal de vestir e desvestir agasalho que não acabava mais.

Como não conseguia me concentrar na leitura, voltei minha atenção para a paisagem. Bonita em determinados lugares com belas árvores, vegetação verde, animais com pastagem farta. Mas, como sempre, pobreza e secura em outros. Casebres à beira da linha. Não sei como vivem, se dormem, com aquele barulho de trens de cargas de dia e de noite, sem contar o de passageiros, duas vezes ao dia. 

O Rio Doce, coitado, assoreado, sujo, maltratado, a mais não poder, com duas barragens no trajeto. Em determinados lugares, nem se via água; era só pedra.  Num ponto, estava tão seco, areia pura, que fez a criançada gritar: Praia!

Fui observando tudo pelo caminho afora e pensando: o que estamos fazendo com nosso mundo... O que acontecerá às próximas gerações...  E aí, enveredei pela corrupção endêmica, a falta de escrúpulos neste nosso mundo de Deus.  Tristemente, pensei se não seria esse “o inverno de nossa desesperança”...

Para afastar a tristeza, retomei minhas audições imaginárias do início da viagem e segui assim, até o fim do caminho: ...Cantando pela serra do luar, correndo entre as estrelas a voar, no ar no ar, no ar, no ar, no ar...


Maria Francisca – julho de 2015. Publicado, inicialmente no facebook da Vale.

VÓ, VOCÊ ESTÁ AÍ?



Voz de neto é música para meus ouvidos

Sentada prazerosamente na varanda, lia um belo livro, aliás, nome sugestivo, “O livro dos abraços”, de Galeano, enquanto aproveitava o ventinho gostoso que vinha do mar. De repente, um som intrometido e característico interrompe minha leitura. Abro o celular e leio: Vó!

É assim que os netos Gustavo e Gabriel costumam fazer. Lançam um “vó” no whatsapp, para que eu entre on line e eles falem o que desejam, principalmente quando estão fora de casa.

Hoje o Gabriel resolveu telefonar. E quase chorando, porque esquecera na mochila do Inglês o material que teria que levar para a aula. Ligou para meu celular, mas não ouvi. Quando ligou de novo, talvez pensando que eu não iria atender ao telefone de casa, já estava com voz de choro. Vó, cê tá aí?
De uma outra vez, era o Gustavo. Telefonei, para ganhar tempo. Queria recomendar o tipo de ovo de páscoa que desejava e teria que ser depressa, porque só era encontrado nas Lojas Americanas.

O dia inteiro ouço esta cantilena: Vó, faz isso para mim, vó, me leva em tal lugar, vó, você pode me levar à escola hoje? Vó, você traz pra mim o caderno que esqueci em sua casa? Vó, faz macarrãozinho pra mim. Ou, então, no meu ouvido, quando viajamos: vó, quantos chinelos você trouxe? Nesse caso, já sei que esqueceu os próprios chinelos em casa. Daniel  não telefona, mas é mestre em falar de presentes de nome esquisito. Teté (é assim que ele me chama), o presente que quero no meu aniversário é... ( e fala um nome que não entendo), mas você pode olhar isso na internet, tá? E quando está aqui em casa, pergunta depressa: Você pode me levar à escola?  Leozinho, por enquanto, só me pede pra brincar com ele. E temos longas conversas nas brincadeiras.  Pedro, ainda muito pequeno e morando no exterior, fica só na saudade.

É uma relação interessante essa de avós e netos. Quem não se lembra do tempo de criança em casa de avós? Eu, de vez em quando, me vejo pequena, sentada em volta de uma enorme fogueira, escutando meu avô contar histórias. Ou com minhas tias, pescando lambaris num riozinho de águas transparentes.

É uma relação tão prazerosa, que fico a imaginar como fazem, ou como sentem as avós, quando são impedidas de ver os netos. Digo isso, porque há separações de casais em que um dos cônjuges está tão magoado que impede ou dificulta a relação das crianças com a família do outro. Deve ser muito triste.

Por isso, quando um neto me chama, não tem livro bom, não tem ventinho gostoso, não tem nada.
Só tem o neto me chamando...

Maria Francisca – maio de 2015. Publicado, inicialmente, no site: www.questoesdefamilia.com.br







domingo, 7 de fevereiro de 2016

TUAS MÃOS


Para minha mãe

Minhas mãos rugosas lembram as tuas.
Minhas lembranças misturam-se aos sonhos
E vejo tuas mãos, olhando as minhas.

Mãos que meus filhos embalaram
Mãos que meus filhos acalmaram
Mãos que sempre acarinharam
Mãos que na luta não se abalaram.

Quanta vida por ali passou
Quantos bebês essas mãos ninaram
Quanta beleza essas mãos criaram.

Elas que andaram por ruas amparando
Elas que vestiram sonhos de desamparadas
Elas que saciaram a fome de afilhados
Elas que aliviaram de muitos o cansaço
Elas que iniciaram da vida o abraço.

Mãos carinhosas, mãos caridosas, mãos sofridas.
Mãos cansadas, mãos amadas, mãos amigas,
Mãos que fazem parte de minha vida.


Maria Francisca – novembro de 2015

domingo, 13 de dezembro de 2015

Eu tenho estilo?



Eu tenho estilo?

Dia desses, li uma notícia em que uma atriz dizia que estava adorando fazer uma personagem de cara lavada, já que detesta maquiagem. Eu também não gosto, aliás, gosto, mas não todo dia. De vez em sempre me rebelo e saio sem nada, de cara lavada, mais para protestar contra essa ditadura que escraviza as mulheres: cabelo sempre arrumado (fios brancos nem pensar, a menos que seja por conta de alguma tintura da moda), tem que ser magra, sarada, barriguinha, afe! E bem arrumada e cheirosa, mesmo no fim de uma jornada estafante.

Então, tá. Tenho uma bermuda de um tecido que parece náilon, tipo pula-brejo, que se pode embolar e colocar na gaveta, depois tirar e vestir. É dessa que gosto. E visto muito. Vou ao supermercado, ando pela rua, vou a lojas. Se não quiserem me vender por achar que não tenho dinheiro (sempre nos avaliam pela aparência), paciência, bato-me em retirada e vou pra outra loja. Não me submeto. Só me arrumo, se tenho vontade. Claro, não vou a uma festa mal arrumada, porque seria menosprezo à festa e ao dono da festa.

Outro dia, fui a um banco em que tenho conta. Quando a agência era comum, eu ficava constrangida de ser atendida numa sala reservada, por ver os demais naquele filão. Agora, a questão é outra. Cada sala é reservada: Agência Estilo. Cheguei lá, com minha bela bermuda pula-brejo, pois a tal agência fica perto de minha casa, e dirigi-me à atendente. A primeira coisa que ela fez antes que eu abrisse a boca foi perguntar: “A senhora tem conta aqui?” Eu quase respondi: “Não, estou aqui porque não tenho o que fazer e gosto de passear em banco.” Informei o número e, quando ela acessou o arquivo, disse que queria talão de cheques e fui para um caixa eletrônico. Ficar ali esperando uma vida, só por talão de cheques?
Mas, surpresa, a palavra estilo, que passei a abominar, foi usada em relação a mim, numa loja. Vestia a mesma bermuda e vi uma roupa bonita numa vitrine. A vendedora me viu, abriu a porta e eu entrei. Perguntei sobre a roupa, mas não tinha meu número. Ela, então, disse: Temos outras peças que a senhora pode gostar. Eu disse: Será? E ela: São roupas muito bonitas e a senhora tem estilo.

E o que é “estilo”? Entre outros significados, o Houaiss registra, com sentido figurado: “conjunto de tendências, gostos, modos de comportamento característicos de um indivíduo ou grupo” [... ] “elegância no vestir”.

Pois é. Eu não estava elegante, coisa nenhuma. Ou estava muito esquisita? O que ela quis dizer com isso?
Sem esperar minha conclusão pessoal, reflexiva ou intelectiva, ri, agradeci e saí.
Estilo, eu? Como aquele banco? Eu, não...


Maria Francisca, novembro/2015.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Prendas domésticas?


Chego ao consultório do geriatra, tiro a senha e fico ali como boba, de olho naquele monitor, onde se visualizam os números. Parece congelado. A minha senha é 101, mas a 96 não arreda pé do vídeo.  Olho, olho, e nada. É o bastante para embaralhar tudo na minha cabeça e começar a viagem para o mundo da divagação.
Escuto uma voz que parece vir de muito longe: 101! 101! Uma senhora, próxima diz: Não é a sua?
Hã? Levanto-me apressada e chego perto da mesa da atendente. Vou respondendo automaticamente às perguntas costumeiras: endereço, telefone etc etc.

Profissão! Profissão! Hã? Mulher Maravilha! Ops, desculpe: prendas domésticas. A moça ri, disfarçadamente, e repete baixinho balançando a cabeça, naquele característico gesto de incredulidade ou de desprezo, sabe-se lá: Prendas domésticas... Sem me olhar, diz: Agora é só esperar.
Acho sempre engraçada esta frase: “Só esperar”. Esse “só” quer dizer o quê, mesmo? Que é pouco? Que nada! Lá fiquei mofando naquela cadeira por um bom tempo, que não medi, porque me pus a rir, sozinha, raciocinando (meditando, ou nas alturas...) sobre a minha profissão: Prendas domésticas...
Mulher que não trabalha fora, hoje, está fora... literalmente, para usar expressão da moda (todos dizem “literalmente”, mesmo quando  a questão não é literal). Fora do mundo, fora dos círculos de conversa, fora da vida, enfim. É isso que pensam as outras mulheres. Ela própria, a dona de casa, acaba se sentindo assim. É como se a pessoa fosse inútil.
Pois é, dona de casa bissexta, resolvi dizer, naquele momento, que era de prendas domésticas, eufemismo que encontrei na hora, usado há muitos anos e que sempre detestei. Aliás, gosto das palavras exatas. Por exemplo: Velho. Por que velho tem que ser terceira idade, melhor idade? É feio ser velho? Deixa-se de ser velho quando se diz diferente?
E vi, mais uma vez, que ser dona de casa não é fácil e eu não tenho as tais prendas domésticas, de jeito algum.. Resolvo tocar piano, lembro: Ai, a máquina parou de funcionar. Será que a lavagem acabou? Levanto-me e vou ver. E já está na hora de fazer almoço, porque o neto chega do Inglês e tem que almoçar rápido para ir pra escola. Coloco a carne para assar e vou cortar verdura pra salada. Distraio-me, com as verduras, até que sinto o cheiro de fumaça: Ai, meu Deus, a carne está queimando. O forno estava muito quente...Vou tirar do forno e, aí, queimo os dedos na pressa. Tarde demais... E as plantas que ainda não foram molhadas? E minha palestra que não terminei de preparar? E a barra da calça do neto que ainda não fiz? E a crônica que não terminei? E a reunião do TJC? Afe!
Tenho quer fazer outra carne depressa. Não, vou fazer ovos mexidos. Mas o arroz está precisando de um pouco mais de água. O telefone toca e o interfone também. Corro a atender. Vizinha querendo subir para falar de algo. Peço pra deixar pra depois. O arroz já está queimando também. Chi! Estou atrasada.
E assim, passo o dia, correndo pra lá e pra cá.
Então, tenho prendas domésticas? Ou sou “Mulher Maravilha”?
Tentando fazer tudo e nada fazendo direito?
Que nada, sou, mesmo, é uma abusada!
Maria Francisca – 01.07.2015, após receber a notícia de que não haveria aula de música, resolve tocar piano e não consegue porque há muitas tarefas domésticas pra realizar.