Acordei
às seis da manhã, abri a janela e vi que o dia nascera muito claro. Chegando à
portaria, surpresa, uma grossa chuva dava os últimos suspiros, com pingos
salteados, obrigando transeuntes madrugadores a usarem capuzes ou guarda-chuvas.
Lembrei-me do poema Caso pluvioso de
Drummond (“Era chuva fininha e chuva grossa, matinal e noturna, ativa… Nossa!”) e ri sozinha, quando me lembrei de que no
poema ele diz que descobriu que Maria é que chovia. Será que era eu que chovia?
Está sempre chovendo nos meus dias...
No
calçadão, vi que o sol se esgueirava aqui e acolá, como a fugir de algumas nuvens
grossas. Parei uns instantes, a tempo de contemplar os ralos faróis dourados
caindo sobre o mar.
Continuei
meu trajeto, pensando nessa natureza tão versátil e tão volúvel. Ora chove, ora
faz sol. Como os humanos. Ora somos tristes, chuvosos, ora somos o próprio sol,
ofuscando de brilho ou tisnando na quentura.
Pensando
nisso e já retornando, vi um novo cenário. O céu ficou escuro, a chuva chegou
em cântaros e a enxurrada engrossava os ralos de águas pluviais, os carros, em
desabalada correria, jogavam água nos pedestres e todos fugindo como podiam.
Vi
um menino correndo, gargalhando, e metendo-se por um portão de uma daquelas
portarias elegantes da Praia da Costa.
Comecei
a pensar num menino que vira na véspera, na chuva. Noite alta, festa acabando,
chuva caindo, um menino ensopado e um guarda-chuva cedido em troca de algumas
moedas. Era magrinho, muito bonito e sorria. Nem pensava no resfriado que
poderia sofrer depois, nem sentia o frio que fazia naquela chuva, nem via que
estava todo molhado. Só pensava nas moedas. Precisava daquelas moedas. O pai
sumiu no mundo, a mãe acamada, irmãos pequenos, as moedas, sim, as moedas
seriam o pão na manhã seguinte, quem sabe o leite, o café, quem sabe ganharia
mais, quem sabe, quem sabe...
E
todos queriam o guarda-chuva do menino. Ele já estava molhado mesmo! Ah! Quer
uma moeda! Uns: Aqui, menino! Outros: Pena, não tenho nada. O menino contou suas moedinhas, recontou e viu que
perdera uma, na corrida de volta dos carros para ceder o guarda-chuva para mais
uma pessoa. O último vai saindo. Quem sabe vou ganhar mais uma, pensou. E
ganhou: vinte reais. Vinte reais! Que maravilha... O pão e o leite garantidos...
O
dia já ia raiando. O menino foi-se. Teria passado na padaria? Teria ido pra
casa? Teria ido dormir?
De
repente, vi-me parada no calçadão e toda molhada. Voltei pra casa depressa, fincando
o pé no chão, bem forte, antes que outros meninos pobres ou ricos, sorridentes
ou tristes, viessem tomar conta de meu dia.
Maria
Francisca – outubro/2014.
Muito lindo e inspirador Fran. Bom dia. Bjs
ResponderExcluirAdorei Francisca. Você sempre com lindas crônicas do cotidiano.
ResponderExcluirA felicidade é isso, amiga. Pintado na sua crônica. Beijos!
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