De vez em quando,
revejo textos, crônicas ou poemas preferidos. Desta vez, coube a Jorge de Lima
fazer a minha alegria. Tirei da estante Poesia
Completa e, sem surpresa, vi que estava marcada a página do soneto O acendedor de lampiões, meu preferido. Reli e fiquei pensando na primeira
estrofe (Lá vem o acendedor de lampiões
da rua! Este mesmo que vem infatigavelmente, Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente). Energia elétrica nem pensar.
As ruas, escuras, dependiam desse homem, que caminhava, caminhava e, infatigavelmente,
iluminava as cidades.
O Pequeno Príncipe, de
Saint-Exupéry, também fala do acendedor de lampiões. Só que seu planeta era tão
pequeno que ele, mal acendia, tinha que apagar depressa a luz, porque já era
dia. E nem podia dormir. Limitava-se a acender, apagar, e repetir,
incansavelmente Bom dia, Boa noite,
cumprindo o regulamento que não mudava nunca, apesar de o planeta ter mudado e começado
a girar mais depressa. Era fiel ao regulamento. O Pequeno Príncipe, depois de
fazer perguntas e mais perguntas, sugerir atitudes ao acendedor, concluiu: Esse aí seria desprezado por aqueles outros,
pelo rei, pelo vaidoso, pelo beberrão, pelo empresário. No entanto, é o único
que não me parece ridículo. Talvez seja porque não se preocupe apenas consigo
mesmo.
A minha cidade natal
tinha uma usina hidrelétrica, moderna para aquela época, naquele fim de mundo,
mas com sistema manual. Aí, precisava do acendedor de lâmpadas. Chamava-se
Manoel e tinha o apelido de Manoel da Luz, porque ia de rua em rua, com um
grande bastão, na ponta um interruptor, acendendo as lâmpadas da Cidade. Mal
insinuadas as sombras, lá vinha o Manoel da Luz, equilibrando-se em sua
bicicleta Um dos nossos deleites era vê-lo, com toda perícia, sem descer da
bicicleta, cutucar o poste e, como seu bastão mágico, fazer brotar bela e longa
claridade, como a luz da lua.
Jorge de Lima diz, na
penúltima estrofe do soneto: Triste
ironia atroz que o senso humano irrita: Ele que doira a noite e ilumina a
cidade, Talvez não tenha luz na choupana em que habita. Talvez, mas
concluo, com o Pequeno Príncipe, que esse acendedor de lâmpadas também não
pensava em si mesmo, cumpria seu dever de iluminar a cidade, com chuva ou sol.
Por isso era tão querido pela população.
Em Mateus 5, 14-16 está
escrito: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada
sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire,
mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos que estão
em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”.
Não seriam esses acendedores
um símbolo do cristão de que fala Mateus? Com seu trabalho incansável traziam
alegria, porque traziam luz. E não pensavam em si, mas na tarefa que deveriam
realizar, com cansaço ou com chuva, lá estavam eles, produzindo a magia de
afastar as trevas. Aqui, vale a
simbologia da frase que li faz tempo: Não
grite contra a escuridão, acenda uma velha. E nós nem precisávamos gritar, tampouco
precisávamos de velas. Tínhamos nossos vagalumes humanos, nossos mágicos da luz
que nos impulsionavam à alegria.
Fico pensando nisso tudo e questiono a mim mesma, onde colocar uma vela, após essa avalanche de denúncias mal ou bem formuladas,
esclarecidas ou não, verdadeiras ou não, e após uma eleição, em que se viu
tanto ódio? Alguém verá? Terá força? Temos, hoje, acendedores de lampiões?
Maria Francisca –
outubro de 2014.
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