quinta-feira, 12 de junho de 2014

O espelho, a face e os cabelos


O espelho, a face e os cabelos.

 
Hoje fiquei um tempão pensando na Cecília Meireles. O que, aliás, não é novidade alguma, porque, com ela, comecei a gostar de poesia, recitando: “Troc…  troc…  troc…  troc…ligeirinhos, ligeirinhos, troc…  troc…  troc…  troc…vão cantando os tamanquinhos…” Para completar, a bela Cecília é minha patrona na Academia de Letras de Vila Velha. 

Hoje, pensei mais, porque estava me achando horrível. Meu rosto, meus cabelos, tudo feio. Ia num espelho, credo! Ia noutro, credo! Eu estava a ponto de achar, ao contrário de Narciso, feio o espelho. Até que achei um daqueles pequenos, meio no escurinho, onde fiquei menos feia e me conformei, aliás, fiquei feliz com meu autoengano, arrumei-me mais, e saí para o compromisso dominical.

Ai, lembrei-me de uma crônica que li no jornal “Pampulha”, de Belo Horizonte, em que a autora falou do ocrinho. Ela falou ocrinho mesmo. Trata-se daqueles óculos pequeninos que começamos a usar, quando não conseguimos enxergar de perto e já virou costume as pessoas brincarem que não enxergam porque os braços ficaram curtos. Ela falava de uma amiga que não revelava de jeito nenhum que usava aqueles tais ocrinhos, porque denunciaria sua idade. Uma interessante crônica e ela tem razão. As mulheres, principalmente, preocupam-se muito com a idade. Nossa sociedade é muito cruel com as mulheres. Elas não podem ter cabelos brancos, não podem usar ocrinhos, não podem ser gordas, ou melhor, têm que ter corpo de modelo (algum tempo atrás, precisava ter corpo de miss). Ao contrário, homens com cabelos brancos é charme, com óculos ninguém se incomoda, pessoa alguma lhe cobra corpo de bailarino e por aí vai.

Nós, por nossa vez, colaboramos para que essa escravidão continue. Aceitamos que temos que pintar os cabelos tão logo uma mechazinha teima em aparecer entre os fios escuros ou loiros. E quando alguma mulher resolve ficar de cabelos brancos, as amigas implicam tanto que ela se rende e lá se vai sua autonomia. Passa a viver segundo o que querem os outros e o que pensam dela.

Quanto ao tal ocrinho, nem posso dizer isso, porque foi a maior felicidade o dia em que usei óculos e pude ver tudo bonito e perfeito novamente. E eu nem tinha 40 anos, mas a vista degenerou-se muito cedo e eu não conseguia ler direito os jornais. Estava perdendo o gosto pela leitura.  Daí a minha alegria. Só tive dificuldade quando necessitei usar as lentes para longe também. Foi um sofrimento. Não me adaptei aos óculos multifocais e o jeito foi colocar lentes de contato, uma maravilha da tecnologia. Estão cada vez melhores, portanto, uso-as sempre, muito feliz.

Mas quanto aos cabelos...Pinto-os sempre, preocupo-me com os fios rebeldes que teimam em embranquecer. Sou escrava da tintura, mas já estou me programando para a liberdade nesse item também. Mas me recuso a clarear os cabelos, isso recuso, mesmo. E digo que não quero ficar de uniforme, já que as velhas todas tem cabelo claro. Não há uma brincadeira que diz que mulheres não envelhecem, ficam loiras?

Hoje, procurando espelhos para tentar ver qual me mostrava um pouquinho, só um pouquinho, por favor, mais jovem, declamei baixinho, na maior tristeza, não nego, com Cecília e como Cecília:

Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou perdida a minha face?”

É isto, Cecília, vamos seguindo a vida alegre ou tristemente e não percebemos as mudanças que vão se acumulando no nosso corpo, nos nossos olhos, nos nossos cabelos, nos nossos ossos, enfim, na nossa face jovem que se perdeu no tempo, faz tempo.

E não há espelho que dê jeito. A menos que se especialize em autoengano e se busque sempre, como fiz hoje, mas só por hoje, prometo, um espelho no escurinho.

 
Maria Francisca – novembro de 2013.

9 comentários:

  1. Tia Chica, já falei com a Senhor a o quanto eu tenho orgulho de ser seu sobrinho. Li este texto e adorei. Sou suspeito, mas adoro ler as coisas que escreve. É tão gostoso, parece que estou conversando com a Senhora, sinto aquela alegria contagiante, este sorriso lindo. Eu sempre fico pensando é na Vovó Sebastiana, que filhos maravilhosos ela tem. Beijos... Handrey.

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  2. Tia Chica, já falei com a Senhor a o quanto eu tenho orgulho de ser seu sobrinho. Li este texto e adorei. Sou suspeito, mas adoro ler as coisas que escreve. É tão gostoso, parece que estou conversando com a Senhora, sinto aquela alegria contagiante, este sorriso lindo. Eu sempre fico pensando é na Vovó Sebastiana, que filhos maravilhosos ela tem. Beijos... Handrey.

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  3. Pois é, todas nós temos este sentimento quando a idade vai chegando, mas ao olharmos bem nossa imagem refletida, descobrimos que há também uma nova mulher, mais segura, mais determinada e mais flexível.
    um beijinho carioca

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  4. Minha cara Francisca, que emoção você nos transmite. Parabéns por mais esta iniciativa de criatividade, poesia e alento a todos os que se veem em situação longeva na vida! O espelho, com certeza, não pode ser plano, nem côncavo, nem convexo. Deve ser introspectante (desculpe-me o neologismo...), refletir a alma, assim como a sua, cada vez mais linda. Bjs.

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    1. Genésio, meu amigo, você, como sempre, gentil e atencioso.
      Bjs.

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  5. Chegando e ja
    adorando seu blog
    Bom feriado
    e
    Bjins
    CatiahoAlc./ReflexodAlma

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