O calçadão estava
lotado. Num minuto, esvaziou-se. Uns se esconderam sob marquises, outros
entraram em quiosques, alguns, sob enormes guarda-sóis, outros voltaram pra
casa correndo. Enfim, todo mundo fugiu da chuva.
Eu, alegremente,
continuei a caminhada, bendizendo aquela chuva maravilhosa. Toda ensopada, era
alvo de alegres brincadeiras do pessoal fugido e escondido da chuva, ou seja,
eram todos simpáticos. Por que seria, se nos dias anteriores, caminho, caminho,
encontro n pessoas no trajeto, nem
sequer um cumprimento recebo? Minha caminhada na chuva seria simbólica?
Interessante que eu me lembrei
de que acontecia a mesma coisa quando praticava corrida. Ainda não era tão
comum as pessoas comuns praticarem caminhadas ou corrida. As academias não eram
“obrigatórias” como hoje. Só os atletas profissionais dedicavam-se aos
exercícios físicos com afinco. Eis porque eu era sempre parada nas ruas, com
brincadeiras, do tipo, vai, Joaquim
Cruz!... Vai correndo assim pra onde? Está correndo da polícia? Ou parando
o carro ou a bicicleta e oferecendo carona, na brincadeira. Uma simpatia só. E,
muitas vezes, correndo na chuva, brincavam comigo, como hoje. Paravam para ver
minha cara (acho que pensavam que eu era meio doida) e brincavam: Vai derreter! E quando participei de
competição, então? Ganhei medalha de ouro na minha categoria, em corrida de rua
de dez quilômetros, e todos me aplaudiam. Depois da competição, chegando ao
clube, todos brincavam, riam, falavam comigo.
Simpatia é uma palavra
de origem grega. É formada pelo prefixo sym (juntamente, ao lado de, em favor
de, ao mesmo tempo) e pathéia (aquilo
que se experimenta em relação às paixões da alma). Então, simpáticas seriam
pessoas que nos atraem e conquistam pelo seu carisma, pela sua personalidade ou
pela sua postura diante da vida.
Segundo Padre Fábio de
Melo (Quem me roubou de mim?),
símbolo é toda e qualquer realidade que constrói uma ponte por onde podemos
alcançar o outro lado. A palavra vem do grego, sym-ballein, que significa reunir, juntar. E o ato de reunir ou
juntar, efetivamente,
constrói pontes.
Aí, fui juntando os
pontos, construí a ponte para entender por que todos faziam alegres
brincadeiras comigo. Eu, naquele momento, era um símbolo. Símbolo talvez da
coragem de enfrentar aquela ventania. A minha postura de correr na chuva
conquistou aqueles caminheiros que ali estavam. Então, tornei-me simpática por
estar fazendo algo inusitado e, ao mesmo tempo, um símbolo para aquelas pessoas
que estavam escondidas da chuva.
É interessante observar
que todos nós procuramos um ídolo, um símbolo. Seja de alegria, seja de
coragem, seja de beleza, enfim, todos querem ser iguais a alguém. Por isso, brincamos quando vemos alguma
pessoa que, por um desses motivos, admiramos: Quando crescer, quero ser igual a você. É uma coisa boa, mas perigosa, aliás, como tudo na vida. É que
sobre a sociedade moderna paira uma sombra. A sombra da falta de identidade, a
sombra da ausência de referências.
As crianças de hoje têm
ídolos do bem? Mais uma vez, a questão da educação, uma das coisas mais
importantes na vida. Pais que se preocupem com os filhos e professores que
ensinem seus alunos a pensar, que lhes mostrem um mundo que pode ser do bem,
mas que pode ser do mal, dependendo da escolha de cada um. E só pode escolher quem pensa.
Voltando à minha
ousadia, retornei a casa ensopada, mas com o coração leve, por ter tido a
ventura de andar na chuva, quando todos fugiram e na sensação (já vem aí a
vaidade assumida) de que fui símbolo por um dia, mesmo na minha velhice.
Maria Francisca, fevereiro
de 2014.
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