Morei em Salvador
durante certo tempo, num enorme condomínio no Bairro Caminho das Árvores. Era
exatamente atrás do Shopping
Iguatemi. Para chegar ao nosso prédio, passávamos dentro do shopping, subíamos uma escadinha externa, num morro, por puro
comodismo, claro.
E aquela escadinha era
ótima, porque, além de encurtar em muito nosso caminho, ainda nos proporcionava
momentos de lazer, no shopping, na volta do trabalho. Muitas vezes, retornando
cansada, entrava no shopping, para alcançar o atalho para meu prédio, quando me
deparava com saraus, orquestras e ficava ali parada, apreciando tudo e chegava
a casa descansada da lida, do transporte público e do trânsito caótico, já
naquele tempo.
Pois bem. Eu exercia a
função então denominada Fiscal do Trabalho. Num início de semana, ia eu
tranquilamente subindo a rua para chegar a uma empresa na Praça da Sé, onde
faria uma fiscalização de rotina. Segurava com força a minha pesada pasta com
processos que teria que analisar e pastas e fichas de empresas que teria que
visitar. Tudo em papel. Não vivíamos, ainda, a era virtual. Carregávamos papeis
e mais papeis.
Eis que de repente, alguém agarra a minha
pasta, eu me viro e começo a lutar com o enxerido. Agarrei a pasta com as duas
mãos. E ficamos ali um tempinho, medindo forças, ele começou a ter dúvidas se
tomava minha pasta ou meu relógio, arranhava meu braço e o relógio nada de
sair, até que se cansou e se mandou para meu alívio. Segui meu caminho,
trabalhei e voltei para casa no fim do dia, em paz.
Alguns dias depois,
Júnior, meu filho, na época com 13 anos, chegou a casa chorando, descalço, de
cuecas e camisa do uniforme, apenas. No caminho de volta das aulas, outros
enxeridos, desta feita, alguns adolescentes, tomaram-lhe a calça jeans, a
mochila, o tênis e jogaram seus livros no matagal ali perto.
Mais alguns dias e eis
que algo semelhante acontece com Gláucia, minha filha de 16 anos. Retornando da
escola, subia a bendita escadinha atrás do shopping, quando outro enxerido,
adulto, tomou-lhe o lindo relógio que trazia ao pulso.
E ficamos em estado de
alerta, depois disso tudo. Imagine: em poucos dias, três assaltos. Sem lesão
corporal, mas com lesão na alma, porque o medo instalou-se entre nós. E
tratamos de encontrar um transporte para o Júnior para ele não ir a pé para a
aula sozinho, cuidamos de ficar atentos naquela escadinha e alertamos os demais
moradores para o que acontecia naquele trajeto. E ficamos sabendo que não
éramos as únicas vítimas. Então, olho
aberto, falávamos entre nós.
Um dia, voltava do
trabalho, com uma pasta nos braços e na mão direita uma bolsa quadrada de
couro, cuja estrutura era de madeira. Uma malinha, enfim. Era por volta de 18
horas e já estava meio escuro, apesar da iluminação artificial, porque ainda
estava naqueles momentos em que não era dia, mas também ainda não era noite. Subia a escada, quando, olhando para o alto,
vi um senhor sentado num dos degraus. Olho
vivo. Hoje ele não me pega, pensei. Armei-me de toda a coragem do mundo,
minha malinha como arma, em posição de ataque, a voz muda e a testa enrugada, pisava
com firmeza os degraus, mirando fixamente o suposto ladrão. A cada passo, uma ameaça para aquele que se
intrometera no meu caminho daquela vez.
Fui chegando firme
perto daquele homem e observei, com horror, que o homem estava com medo de mim.
Minha expressão era tão feroz que causou espanto naquele que eu pensara ser um
bandido. Ele se encolhia e, ao meu visor, estava a ponto de sair correndo.
Recompus-me, passei ao
lado dele e, bem alto, cumprimentei-o, com um sonoro Boa noite! Nem esperei resposta e nem me lembro se a deu, e segui,
rindo sozinha daquele meu disparate. O pretenso ladrão deve estar pensando até
hoje que, naquele caminho, era sempre possível encontrar-se uma doida.
Maria Francisca – março
de 2014. Sábado de carnaval.
Olá Francisca,
ResponderExcluirQue escadinha danadinha. Encurtava o caminho mas era cheia de surpresas desagradáveis, né?
O bom era a descontração de poder ver coisas bacanas no shopping e chegar em casa mais leve depois de uma dia de trabalho. Mas a vida é assim mesmo. Infelizmente não temos segurança de andar livremente e cada vez que os filhos saem ficamos apreensivas.
Quer dizer que você teve seu momento de causar medo em alguém? kkkkkk...Ri muito com essa situação.
Amei estar por aqui.
Beijos mil
Grata, Terezinha. Ainda me lembro desse tempo, com saudades...Viver é assim, não é? Movimento...Rs. Beijos.
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