sexta-feira, 24 de abril de 2015

CAUSOS - TERCEIRO DA SÉRIE

Água com adoçante acalma?

 
Para Elzimar
Eu era titular da 6ª Vara de Vitória, mas atuava no tribunal, porque o TRT-ES, na época, era composto de apenas seis juízes de carreira e dois classistas e não podia ser dividido em turmas. A lei proibia.  Havia sempre necessidade de um juiz convocado para dar conta da imensidão de processos, principalmente quando um dos membros titulares se afastava em gozo de férias ou em licença médica.
O gabinete dos juízes convocados, que nem merecia o nome de gabinete, funcionava num quase porão, sem um mínimo de conforto. Tinha até mofo. Nem tudo era ruim, porém. As servidoras eram ótimas, todas comprometidas com o trabalho que realizavam, embora em condições mais do que adversas. E o trabalho rendia.
Um dia, analisava, como relatora, uma ação rescisória, com número expressivo de autores, todos servidores de determinado órgão público. O objetivo buscado era rescindir uma sentença que lhes havia negado o pedido de adicional de insalubridade.
A decisão impugnada julgara improcedente o referido adicional, porque a perícia realizada concluíra pela inexistência de qualquer agente agressivo no ambiente de trabalho. Os fundamentos da ação rescisória eram simples, aliás, simplórios, e, portanto, desprovidos de força processual. Já à primeira leitura, previ o insucesso daquela ação.
Pois bem. O órgão público, no limiar de nova gestão, resolveu fazer um acordo para pôr fim à ação rescisória e antecipou todo o pagamento ao advogado.
Ele chegou ao gabinete dos juízes convocados muito feliz e, depressa, dirigiu-se a mim, mostrando o termo do acordo. Li o documento com atenção e disse: Doutor, desculpe, mas não posso homologar um acordo desses e tenho certeza de que os demais colegas vão acompanhar meu voto. E expliquei os motivos, inclusive a ilegalidade do ato.  O advogado nada disse. Sentou-se e ficou ali quieto, olhando o nada, pálido como cera.  
Preocupada com a mudez e com a aparência  do advogado, pedi a uma servidora  para buscar água com açúcar para ele, no andar de cima, já que o gabinete, como disse, era desprovido de tudo. Enquanto isso, eu, patética, abanava-o com uma capa de processo, pois parecia em vias de desmaiar.
A servidora retornou bem depressa e o advogado tomou a água. Foi se acalmando, pouco a pouco, melhorou, agradeceu e saiu apressado.
Mal ele acabou de sair, a servidora, rindo, me disse: Dra. Francisca, eu não encontrava açúcar de jeito algum, então coloquei adoçante na água. Será que água com adoçante acalma?
Rimos as duas...
Maria Francisca -  abril de 2015.


5 comentários:

  1. Francisca, muito bons seus textos. Linguagem escorreita e acessível a todos os seus leitores.Parabéns. Que bom você ter voltado a movimentar seu blog, que é bem elaborado. Poderemos trocar ideias em nossos blogs. Abraços

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  2. Oi, Geraldo, obrigada. Você é muito gentil. E elogio vindo de filólogo vale mais, ainda que o filólogo seja seu amigo. Vamos trocar ideias, sim. Vou lá no seu blog dar uma olhada. Um abraço.

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  3. Amiga Francisca, na primeira oportunidade faço o teste. Mineiro gosta de causo, assim escrito então... Grande abraço.

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  4. Amiga Francisca, na primeira oportunidade faço o teste. Mineiro gosta de causo, assim escrito então... Grande abraço.

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  5. Amiga Francisca, na primeira oportunidade faço o teste. Mineiro gosta de causo, assim escrito então... Grande abraço.

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